Em novembro

  Determinados sons, como o da chuva, tem o poder de me teletransportar para outra época. O cheiro do asfalto, que nada parece com o de terra molhada, me faz retornar ao lugar que nunca pertencerei.
  A cidade jamais será acolhedora. Na mesma medida, uma menina que nasce tão longe, nunca se protegerá sozinha. Talvez eu não esteja certa. Nossos sonhos podem mudar. Costumamos contar histórias bonitas antes de dormirmos, e durante o dia tentarmos acreditar nelas para sobreviver. Tem vezes que eu quero voltar a ser uma criança para brincar com a poça d'água recém-formada, escrever uma redação sobre o que eu fiz nas férias quando estou de volta à escola, comer doces escondida antes do tempo em uma festa de aniversário, caminhar descalça pelo quintal da minha avó e rir sem preocupação com o volume da minha voz até a barriga doer. Esse pode ser o sonho de todo mundo que de repente se torna adulto. Mesmo quando ainda não consegue se enxergar como um. Existem momentos nos quais nos cobramos, ganhamos responsabilidades, pagamos contas sozinhos e aí nos percebemos como alguém que cresceu. A independência é apenas um dos sinais.
  Crianças são mágicas. Elas podem muito mais que os adolescentes e mais velhos podem imaginar. Nos olhos de uma criança há esperança de um futuro melhor, diferente. É um crime querer crescer antes do tempo, como eu e a maioria delas um dia deseja. O tempo passa mais rápido do que conseguimos captar. Quando vemos, aquela casa querida não existe mais, aquele cachorro que te recebia com carinho já faleceu e seus amigos de infância se mudaram para longe, um lugar distante demais de onde você está. A nostalgia e o olhar para trás não pode nos impedir de seguir em frente como devemos. Mas a saudade não deve ser dolorosa e sim uma certeza de que o passado valeu e merece ser relembrado. Todas as experiências que passamos em tão tenra idade, mesmo que ruins, nos transformaram em quem somos hoje. Devemos assim, ter orgulho de podermos nos lembrar com carinho por tudo quanto passamos e reconhecermos no rosto de um conhecido em uma esquina de sua cidade natal, alguém que fez parte da sua história, mesmo que vocês não se falem mais com aquela frequência de antigamente.
  Em novembro, nos dias de chuva eu olho para o céu sentindo as gotas rastejarem pelo meu corpo enquanto minha mente só pensa em um lugar que me acolha em uma tempestade como essa. Penso no passado e futuro desejando apenas um final feliz, por mais que eu saiba que esse ''apenas'' se refere ao que há de mais complicado.