Festa

  Tinham sim a questionado algumas vezes o que considerava diversão, sempre era alguém interessado em algo mais depois de muitas recusas aos seus ávidos convites. Não sabia ao certo o que a fazia sorrir, se sentir leve, ou talvez soubesse, mas não quisesse aceitar. Divertir-se com livros, documentários, assistindo filmes sozinha em casa?
  Era o fim de mais uma semana cansativa que se arrastara deixando a sensação de rapidez quando finalmente se esvaía. Chegou sem pressa em casa, adentrou a varanda estreita que dava para a área de serviço desarrumada e também para sua sala. Logo deixou o corpo cair em estafa no sofá antigo e rígido. Seguiu até o quarto para deixar bolsa, chaves e celular. Deveria haver algo passando de interessante na televisão, ou algum livro que esquecera o conteúdo para reler na estante. Achava incrível como nas sextas e sábados a noite nada de interessante é exibido. Sem ânimo, abriu o armário em busca de uma roupa confortável para vestir após o banho e descansar. Ficou um pouco perplexa com a quantidade de roupas que nunca mais vestira, algumas, nem fazia mais ideia se serviriam novamente. Pegou um vestido a esmo, olhou sua estampa degradê, variando em tons de azul e roxo. Era bonita, viva, arriscaria até um pouco alegre, não fossem suas cores frias. Não combinava, o vestido era o seu revés, a primeira vista ela nunca pensou parecer feliz, mas seu interior era estio em um segundo olhar, mais atento.
 Resolveu escolher seu pijama de sempre e ir para o banheiro retirar suas roupas e entrar na água quente, assim sentir-se mais relaxada e esquecer a ideia sedutora que sobrevoou sua cabeça ao tocar o tecido macio. Sim, ela teve vontade de prová-lo, mas com qual finalidade? Nunca iria tão longe para poder usá-lo, e se fosse, com quem? Depois de tantas recusas não havia muita gente disposta a convidá-la á um lugar diferente. Deveriam saber, antes de cogitar seu nome que certamente a resposta seria negativa, mas sincera. Não gostava de todo lugar, e por sua vez, não era todo lugar que se dispunha a ser receptivo com ela, assim pensava. Houve tempo em que os visitou, participou em alguns locais do que ocorria nessas reuniões de gente, como passou a chamá-las depois de algum tempo. Todos aglomerados, estranhos lado a lado para dançar músicas sem sentido, que depois nem ouvem mais, procurando quem fisgar e embriagados. Alguns cambaleando, verdade, sabia melhor que muita gente, pois já tropeçara por muitas vias até chegar ali, nos fins de semana inertes.
  Saiu em no mínimo 20 minutos, com roupa de dormir, passeou pelo corredor, olhando alguns quadros comuns, mas que achava muito lindos em sua simplicidade. Chegou no quarto, buscou alguma coisa para arrumar. Seus pertences milimetricamente arrumados, nada para mexer. O vestido. Observou-o longamente até estender as mãos para trazê-lo para si. Seu celular tocou e em sobressalto deixou o leve pano cair no chão. Correu para atendê-lo. Era uma de suas colegas de faculdade, perdida, perguntando sobre algum exercício a ser entregue, de alguma aula que as duas não faziam juntas. Sabia que só podia ser o costume de ligar para ela quando alguma dúvida persistia. Desligou em cinco minutos, não havia mais o que falar. Voltou ao vestido, do chão, o colocou preso na madeira da cama. Foi até o computador checar uma rede social, a atualização mais recente era a daquela colega que acabara de ligar, confirmando comparecimento na festa de hoje a noite. Clicou na página da festa, futilidade mais garantia de bebida a noite toda. No fim, é isso que vende ingresso, que dá gente. O local era próximo, em meia hora no máximo estaria lá. 
  O vestido pendendo ao lado, a promessa de se esquecer, libertar-se de sua mente. Um desafio, que ela iria aceitar. Vestiu-o e procurou um salto preto que caiu perfeitamente. Foi para o espelho e pegou sua necessaire, colocou na mesa tudo o que precisava e começou a se colorir, preencher seu rosto com alguma vivacidade que combinasse com o tom da festa, de tanta gente estúpida aglomerada que a faria derreter. Finalizou e se viu como nunca tinha visto há muito. Parecia mesmo outra pessoa, mas não gostava de andar assim todo o tempo. Essa era sua máscara para situações especiais como essa. Um verdadeiro baile de máscaras nos dias atuais. Irônico, mas para ela era apenas o que esses aglomerados significavam. Trocou bolsa do dia-a-dia por uma menor, colocou a chave dentro e se foi. Fez sinal para o táxi, passaram por avenidas movimentadas e em pouco tempo estavam na porta da boate. Deu o dinheiro, respirou fundo e entrou. Iria ver o movimento sozinha, e depois talvez ligasse para a colega. Viu o que esperava, ouviu as mesmas músicas vazias, com batidas empolgantes, incentivando tudo o que se faz em uma casa como essa: beber, dançar, beijar quantos puder. Santa futilidade! Era como um tipo de seita, ou hipnoze, todos no ritmo seguindo as palavras ditadas.
  As cores fortes rodando com as quais havia se desacostumado no local escuro a estavam fazendo ficar tonta. Sentou no bar e pediu uma dose de vodka. Pegou o celular e mandou mensagem para a colega que foi encontrar-se com ela muito rápido, movida pela incerdulidade. Gritavam, para se comunicarem e depois de poucos momentos, foram dar uma volta, alguns puxões pelo braço a mais e ela resolveu ir embora, despediu-se, e rumou para casa. Dormiu mais convicta do que antes, mais viva e diferente dos outros do que pensava. Amanhã seria outro dia, sábado, uma promessa para jovens, que descobriu novamente não serem como ela.