Luz

  Passos arrastados atravessam o corredor e adentram o quarto escuro. É o fim de mais um dia, ou como preferia pensar com alívio recente: um dia a menos. Sua mão esguia em riste alisa a parede irregular até encontrar o interruptor. Instantaneamente surge uma luz branca e trêmula que ilumina mal o pequeno ambiente.
  O ponteiro do relógio marcava um tempo que não era linear. A estação de rádio tocava uma música antiga que a transporta para longe. "My lover's gone... No earthly ships will ever bring him home again....". Era o prenúncio da tristeza noturna que a assombraria mais uma vez. A época estava errada, decidiu. As paradas de sucesso não admitem músicas antigas em horário de audiência tão disputada. Só que naquele dia, o errado estava mesmo certo. Sua mente convulsionou lembranças outrora enterradas. Seus músculos jogaram-a na cama dura e contraíram-se todos em seguida. O do coração era o que mais doía. Um pouco de água rolando na face era apenas consequência da certeza de que nada traz de volta quem se vai.  
 Em sua estante, repousavam livros antigos que quase ninguém achava interessantes. Os títulos e autores misturando-se em uma ordem que era puramente estética. O livro mais alto atrás e o menor a frente. Classificações e agrupamentos mais complicados apenas na faculdade. Ela agarra um vermelho de capa dura e o comprime no peito. Sente-se como se o estivesse salvando. Analisa o dorso irregular do livro resgatado, acariciando-a. Abre a esmo uma página amarelada. Arrasta-se até a cama e passeia os olhos pelas palavras.
  Perde-se na exaustão semanal. Pensa em ligar para o primeiro nome que aparecer na lista telefônica. Desiste em seguida. Recorre aos jornais esquecidos em um canto. Lê mais uma tragédia. Pergunta-se o sentido da vida. Vai dormir conformada.