Regressão

  Estou na barriga da minha mãe, posso ouvir a sua voz e de todos estes outros estranhos ao seu redor. Ela ainda não me conhece, mas vai me amar. Estou começando a aprender as coisas, posso observar o mundo e me ensinam a falar. Sempre tem alguém ao meu lado para ajudar. É quando a vida começa a ficar difícil, sei que perdi alguém que me amava, afinal, ela era minha mãe. Mas sou pequena demais pra sentir, nova demais para entender.
  Eu cresci e o que mais gosto de fazer é brincar. Sou diferente, gosto de brincar sozinha e a minha melhor amiga é minha avó. Já estou na escolinha. Começo a achar engraçado que outras crianças não entendam que minha mãe é um pouco mais velha que a delas e que não sei quem é meu pai. Suspeito de alguma coisa errada. Sou a mais calada. Agora eu já posso perceber algumas coisas. Sou uma criança feliz, mas vejo aquela que me ensinaram a chamar de mãe, minha avó, sempre triste. Brinco sozinha. Crio as mais diferentes histórias para as minhas bonecas. A gente se dá bem. Minhas coleguinhas também adoram estar comigo, e de dia, ás vezes, brincamos juntas.
  Eu quero que o tempo passe logo, quero crescer mais, fico imaginando como estarei dali a alguns anos, talvez com meus 15,  imagino que será mágico. Gosto cada vez mais da escola, minhas professoras todas me conhecem pelo nome e estudei no mesmo lugar desde a minha primeira vez em uma sala de aula. Agora já estou na minha quarta série e percebo do quanto gosto de escrever e ler também, na mesma época em que tenho certeza de que os números e eu não nos daríamos bem. Minhas primas e amigas começaram a sair. Começo a desejar sair também com elas. Peço para aqueles olhos protetores uma oportunidade, concedida, por amor. Encontro uma melhor amiga, pensamos igualzinho, visitamos a casa uma da outra e viajamos em histórias fictícias juntas. Tenho a minha primeira decepção com amizades, passo a me afastar de novo das pessoas, é uma fase difícil, penso que já sei de tudo, mas ainda sou uma criança.
  Estou mudando, fisicamente, mentalmente, tudo está diferente. Sinto medo, a confusão do ano anterior não passa, penso em mim, nos outros e fico cada vez mais confusa. Finalmente, o tão esperado dia, e a segunda decepção. Ingênua, convido o homem que diziam ser meu pai pra festa, espero até ás 3 da madrugada e ele não aparece. Já estava desiludida com o amor. Tenho o segundo relacionamento que seria o mais longo até hoje, 5 meses de idas, vindas e muitas brigas. Perco meu chão, desejo perder minha vida. Aquela que cuidou de mim está morta. Me sinto sozinha.
18 anos de idade: Ás vezes eu penso que posso sumir do mundo e que não vai fazer diferença. Todo mundo que se importava, vai embora, ou morre.